21/09/2017 às 08h44min - Atualizada em 21/09/2017 às 08h44min

Generais elevam o tom e falam em outra intervenção militar no Brasil

Discursos de generais na ativa sobre intervenção militar reúnem apoio da ultradireita e de setores da esquerda.

CORREIO DO BRASIL
O general Mourão recebeu a defesa de setores da ultradireita; mas não escapou de críticas pesadas à esquerda contra a intervenção militar

O que começou com o discurso do general Antonio Hamilton Mourão, prestes a passar para a reserva do Exército, em uma reunião de maçons, em Brasília, na última sexta-feira, segue durante a semana para um acalorado debate. Questionado sobre o ponto de vista do militar, que vê a intervenção das Forças Armadas no governo brasileiro como uma alternativa factível, no curto prazo, o comandante do Exército, general Eduardo Villas Bôas, assentiu.

A análise do alto comandante vai além. Não apenas a tomada do poder por uma junta militar é possível, mas avaliada, constantemente.

— As Forças Armadas têm mandato para fazer (uma intervenção militar) na iminência de um (período de) caos — disse Villas Bôas, durante um programa na TV aberta.

O pronunciamento segue em linha com o discurso de Mourão junto aos maçons, que participaram, ativamente, da ditadura militar instalada no país, em 1964. E o chefe do comando militar vai adiante. Ele revela que o Exército tem “planejamentos muito bem feitos” para o eventual controle do governo.

Em defesa

Instado a se pronunciar sobre a posição de seus comandados, o atual ocupante do Ministério da Defesa, deputado licenciado Raul Jungmann (PPS-PE), pediu explicações e cobrou “medidas cabíveis a serem tomadas” contra o general Mourão. Mas ouviu, de volta, uma sonora negativa. Para o seu superior imediato, Mourão é “um grande soldado, uma figura fantástica, um gauchão”. E não seria punido, de forma alguma.

Villas Boas deixou claro, em resposta ao seu superior — feita publicamente, em uma rede de TV — que Mourão não desrespeitou a Lei brasileira e saiu em defesa de seu subordinado.

— Se você recorrer ao que está na Constituição, no artigo 142, como atribuição das Forças Armadas, diz que as Forças podem ser empregadas na garantia da lei e da ordem por iniciativa de um dos poderes. O texto diz que o Exército se destina à defesa da pátria e das instituições. Essa defesa poderá ocorrer por iniciativa de um dos poderes, ou na iminência de um caos. As Forças Armadas têm mandato para fazer — afirmou Villas Bôas.

Intervenção militar

Logo após a declaração de Villas Bôas, o laureado escritor e mestre em Política Exterior Luiz Alberto Moniz Bandeira, saiu em defesa do pronunciamento de Mourão. Tornou-se o primeiro intelectual de esquerda a sair em defesa de uma intervenção militar. Mas o autor do livro Brizola e o Trabalhismo acredita que a presença dos militares, de volta ao Palácio do Planalto, seria uma forma de encerrar o golpe de Estado, em curso. A forma mais efetiva de apear o presidente de facto, Michel Temer. De levá-lo, e aos seus cúmplices no “quadrilhão” apontado por Rodrigo Janot, ex-procurador Geral da República, à prisão. Aprovado por apenas, 3,4% dos brasileiros, o governo Temer já teria levado o país ao caos previsto na Constituição. E isso seria suficiente para os militares voltarem ao poder, segundo Bandeira.

“O importante é impedir que o patrimônio nacional – Eletrobrás, Eletronuclear, Petrobrás e pré-sal, bancos estatais – seja dilapidado, entregue aos gringos. É evitar que o desenvolvimento do Brasil, com a inclusão, não seja interrompido; é impedir a entrega aos gringos de uma parte da Amazônia maior que a Dinamarca” afirma o professor.

Moniz Bandeira enfatiza, ainda, que não deseja um regime de exceção, mas um termo final à sanha golpista.

Retrocesso

“Sei que tudo pode acontecer, se houver uma intervenção militar. Mas o fato é que, se Dilma Rousseff foi deposta por um golpe de Estado, e de fato foi, não mais existe Estado de Direito nem democracia no Brasil. Acabou a Constituição. O governo, que só conta com a simpatia de cerca de 3% da população, realiza reformas para as quais não teve mandato. O Congresso, corrompido e desmoralizado, assumiu poderes constituintes para os quais não foi eleito”, segue, em uma carta ao líder petista Valter Pomar.

Segundo Bandeira, “nada do que ocorreu e está a ocorrer é constitucional. Nada tem legitimidade. E o golpe de Estado foi dado exatamente para a execução de tais reformas: trabalhista, previdenciária, terceirização, redução do Estado, com a venda das empresas públicas, impedir os gastos públicos por 20 anos etc. As forças econômicas, nacionais e estrangeiras, que estão por trás do presidente de facto, Michel Temer, e do seu sinistro ministro da Fazenda, o banqueiro Henrique Meirelles, farão tudo para que não haja retrocesso na execução do seu projeto, modelado pelo Consenso de Washington”.

“Falar em Constituição, agora, é que é uma grande ilusão. As liberdades são relativas, como durante o regime militar, porém nem imprensa alternativa existe mais como naquele tempo. Toda a mídia repete o mesmo e o alvo é o ex-presidente Lula, com judiciária a condená-lo, sem provas, apenas para efeito de repercussão na imprensa e desmoralizá-lo. Quanto mais ele cresce nas pesquisas mais me parece que as poderosas forças econômicas nacionais e estrangeiras, que sustentaram o golpe do impeachment da presidente Dilma Rousseff, tentarão tirá-lo de qualquer forma das eleições”, acrescentou.

Verniz

“Tenho até dúvidas de que as eleições ocorrerão. Temer e demais cúmplices sabem que, ao descer a rampa do Planalto, sem imunidade, podem ser presos e enviado para a Papuda. A insatisfação no meio militar é enorme, conforme exprimiu o (general) Antônio Olímpio Mourão. E teve toda razão o deputado Aldo Rebelo, do PC do B, quando recomendou o diálogo com os militares. O proto-nazifascista Jair Bolsonaro não é representativo das Forças Armadas. É minoria”, segue Moniz Bandeira.

“A intervenção militar pode ocorrer. Como se desdobrará é difícil imaginar. O ideal seria que fosse como a do general Henrique Teixeira Lott em 1955. Mas não creio, em face do Congresso que aí está. (…) Claro que não defendo regime de exceção, mas regime de exceção é o que já existe no Brasil, com um verniz de legalidade”, afirma.

“Não desejaria que ocorresse intervenção. Todos sabem como começa, mas não quando termina. Porém, não estou a ver outra perspectiva no Brasil. É necessário impedir o desmonte do Estados nacional. E há-de chegar um momento em que o impasse político, com o agravamento da situação econômica e social, terá de ser pela força”, pontua.

Apoio da ultradireita

Enquanto um intelectual do calibre de Moniz Bandeira prega a intervenção militar para que o golpe seja contido, um dos maiores defensores da derrubada do governo de Dilma Rousseff também sai em defesa de Mourão. Hoje na reserva, após levantar a voz contra a comandante-em-chefe ainda no governo, o general quatro-estrelas Augusto Heleno publicou sua declaração, em uma rede social, de apoio ao general Hamilton Mourão

“Meu apoio irrestrito ao meu amigo de longa data e respeitado chefe militar (Mourão)”, escreveu Heleno, no Facebook. O general afirmou, ainda, ser “preocupante o descaramento de alguns políticos, indiciados por corrupção e desvio de recursos públicos, integrantes da quadrilha que derreteu o País, cobrando providências contra um cidadão de reputação intocável, com 45 anos de serviços dedicados à Pátria. Aconselho que, pelo menos, se olhem no espelho da consciência e da vergonha”, escreveu Heleno.

“Em resposta a uma pergunta, colocada diante de uma plateia restrita (na Loja Maçônica de Brasília), ele (Mourão) limitou-se a repetir, sem floreios, de modo claro e com sua habitual franqueza e coragem, o que está previsto no texto constitucional. A esquerda, em estado de pânico depois de seus continuados fracassos, viu nisso uma ameaça de intervenção militar. Ridículo”, afirmou o general da reserva.

Mais polêmica

Enquanto o general Heleno, da ultradireita, e seu comandante, Villas Bôas, defendem o colega de farda, com o apoio de um intelectual de esquerda, o suplente a senador e neto do presidente Jango Goulart, do Rio Grande do Sul, deixa claro que há uma imensa rejeição à presença dos militares no governo. No artigo, sob o título Ditadura militar, nunca mais!, o advogado Christopher Goulart vai direto ao ponto.

Leia, adiante, o artigo:

“É uma vergonha o tal General falastrão, que leva o nome de outra vaca fardada de outros tempos, (Mourão) fale em ‘intervenção militar’.

“Para reforçar o coro dos alienados imbecís, o tal do Zezé de Camargo declara a uma revista que ‘não houve ditadura militar no Brasil’.

“Pergunto, se não houve ditadura, como pode eu mesmo ter nascido no exílio, ter três nacionalidades em função da perseguição que meu avô Jango sofreu implacavelmente? Todas as suspeitas que recaem sobre a morte de meu avô, que diga-se, morreu no exílio? Simples coincidência?

“Vinte e um anos de um regime ditatorial-militar, autoritário, truculento, corrupto (a corrupção não podia ser noticiada), torturador, censurador, que cassou e exilou tanta gente, vivendo sobre a Doutrina de Segurança Nacional, pai do AI 5 de 68. Esse é o ‘novo’ Brasil que desejamos? Para tudo que eu quero descer!

Democracia

“Pergunto qual é o método de tortura que os saudosistas da Ditadura mais sentem falta. Pau de arara? Choque elétrico? Afogamento?

“Como integrante das fileiras do trabalhismo, principal partido atingido pelo Golpe Militar de 64, de minha parte tenho a obrigação de combater com todas as minhas forças aos propagandistas de “Generais no poder”, bem como pedirei a expulsão de qualquer filiado do PDT que fale em “intervenção militar”.

“Os males da democracia se combatem com mais democracia.

“Para que não se esqueça. Para que nunca mais aconteça”, conclui.


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