O Senado dos Estados Unidos ratificou as reformas para aumentar a representação de países emergentes no Fundo Monetário Internacional, como parte de um projeto de lei orçamentária, abrindo caminho para países como Brasil, China e Índia terem maior espaço no órgão mundial. Um amplo acordo orçamentário para manter o governo dos Estados Unidos operacional até setembro de 2016 incluiu uma medida para colocar Brasil, China, Índia e Rússia entre os 10 principais membros do FMI e dar aos mercados emergentes maior influência na entidade.
A legislação, aprovada na véspera, segue na próxima segunda-feira para sanção do presidente Barack Obama. Planos definidos em 2010 para dar aos emergentes maior poder de voto no fundo e dobrar os recursos do FMI vinham se arrastando no Congresso dos EUA há anos. Sob o novo regime, o voto da China no FMI passará de 3,8% para 6%, por exemplo.
Com a reforma, todos os 188 membros do FMI vão ampliar sua cota de recursos no fundo para cerca de 477 bilhões de direitos especiais de saques, a moeda do FMI (US$ 659,67 bilhões) ante cerca de US$ 238,5 bilhões. Sob as novas regras, a diretoria do FMI será totalmente eleita.
Julgamento do FMI
Na mesma reunião, o FMI assumiu que países como Portugal teriam beneficiado de uma reestruturação da dívida pública, feita de forma significativa, logo na largada de seus programas de ajustamento. A conclusão foi divulgada por Vivek Arora, diretor do Departamento de Análise Estratégica e Política do FMI, em coletiva de imprensa sobre um relatório técnico de avaliação aos programas de ajustamento da crise.
— Não temos um ponto de vista específico sobre Portugal, mas temos uma visão geral: se os países têm dívida elevada ou se a sustentabilidade da sua dívida não pode ser assumida categoricamente, então a reestruturação da dívida logo de início é uma solução desejável — explicou Vivik Arora, quando questionado sobre o caso português.
É que o relatório de análise aos programas de ajustamento da crise, divulgado ontem à tarde em Washington, explica que Portugal foi um dos países onde a dívida não podia ser considerada sustentável de forma categórica. Contudo, por riscos de efeitos de contágio, o FMI accionou a cláusula criada para o caso grego para, ainda assim, participar no resgate internacional.
“Em Portugal, foi difícil afirmar categoricamente que havia uma elevada probabilidade de a dívida ser sustentável no curto prazo”, lê-se no relatório. “Contudo, tendo em conta preocupações com contágios sistémicos internacionais, foi evocada a cláusula de excepção para justificar o acesso excepcional (ao apoio do FMI)”.
Foi também pelos riscos de contágio que a reestruturação foi, na altura, afastada tanto em Portugal, como na Irlanda, reconhece ainda o documento.
Na noite passada, Vivik Arora explicou que “teria sido melhor reestruturar a dívida” nos países com as características de Portugal para evitar que “o peso do ajustamento fosse transferido da redução da dívida para um esforço de consolidação orçamental muito grande”.
Ou seja: como Portugal não reestruturou a dívida à partida, foi obrigado a procurar uma forte e rápida redução do défice orçamental. Esta foi, de facto, a estratégia do então ministro das Finanças, Vítor Gaspar, assim que chegou ao Governo, em 2011: perante o “desvio colossal” de dois mil milhões de euros na execução do orçamento, o Executivo informou a ‘troika’ de que aplicaria uma sobretaxa no IRS, equivalente ao corte de metade dos subsídios de Natal acima do salário mínimo.
Exemplo helênico
Portugal é, assim, um exemplo paradigmático do que o relatório técnico do FMI concluiu como consequência de esforços demasiado elevados de consolidação: “Podem provocar uma queda grande no PIB e prejudicar o rácio da dívida pública no curto prazo”, explicou o director do FMI. No final do terceiro trimestre deste ano, a dívida pública portuguesa ainda se encontrava acima dos 130% do PIB, segundo o Banco de Portugal. Por isso, “é desejável um ritmo mais lento de consolidação, o que implica mais financiamento disponível”, rematou ontem Vivik Arora.
Um piscar de olhos que começou na Grécia
A conclusão desta sexta-feira vai exatamente no mesmo sentido daquela que o Fundo teceu sobre a Grécia no Verão de 2013, quando publicou um relatório de análise ao primeiro resgate à economia helénica.
Nesta altura, o FMI escreveu que quando foi chamado a participar no primeiro programa grego, em 2010, Atenas não reunia condições para receber financiamento, porque a dívida não era sustentável. A instituição hoje liderada por Christine Lagarde propôs uma reestruturação, para que o saldo pudesse, pelo menos, “parecer sustentável”. Uma ideia que “foi posta de parte pela zona euro”, com vários países a levantarem “argumentos de perigo moral (ou seja, uma recompensa a um país mal comportado)”.
Com o alívio na dívida fora das opções, só havia duas hipóteses: “entrar de imediato em ‘default’, ou seguir em frente, como se fosse possível evitar a reestruturação”. Escolheu-se a segunda opção, que obrigou o FMI a fechar os olhos e contornar as próprias regras, criando a tal cláusula de excepção sobre o risco sistémico.
A questão da sustentabilidade da dívida manteve-se sempre bem presente no caso grego, com o Fundo a reconhecer ter sido um erro aceitar financiar o país sem uma reestruturação prévia. De tal forma que, para participar no actual terceiro resgate, impôs como condição os países do euro avançarem para um alívio na dívida helénica, algo que ainda não aconteceu – e, como tal, o Fundo mantém-se, para já, fora do financiamento a Atenas.
Em Portugal, a questão da dívida também foi várias vezes levantada pelo FMI que, ainda durante o programa, chegou a sublinhar num relatório de avaliação que não era possível “garantir a sustentabilidade a médio prazo” da mesma.