06/01/2016 às 12h03min - Atualizada em 06/01/2016 às 12h03min

Cerca de 150 voos são cancelados entre Arábia Saudita e Irã

O comércio entre a Arábia Saudita e o Irã é pequeno comparado ao tamanho de suas economias

CORREIO DO BRASIL
Cerca de 150 voos diretos entre o Irã e a Arábia Saudita

Cerca de 150 voos diretos entre o Irã e a Arábia Saudita, que transportam milhares de peregrinos todos os meses, foram suspensos com o rompimento dos laços diplomáticos entre os dois países, disseram fontes de aviação nesta terça-feira.

O ministro das Relações Exteriores saudita, Adel al-Jubeir, disse em uma entrevista à Reuters na segunda-feira que o comércio com o Irã e os voos para o país seriam interrompidos como parte de uma resposta diplomática à invasão da embaixada saudita em Teerã por manifestantes, depois que o reino executou um proeminente clérigo xiita.

O comércio entre a Arábia Saudita e o Irã é pequeno comparado ao tamanho de suas economias, mas dezenas de milhares de iranianos viajam todos os anos ao reino saudita para completar as peregrinações haj e um dogmas essenciais do Islã.

Embora Jubeir tenha dito que os peregrinos não seriam afetados pelo rompimento dos laços, fontes independentes disseram que os sauditas fecharam o órgão iraniano responsável por coordenar a haj no reino.

O haj, uma peregrinação anual que os muçulmanos devem cumprir pelo menos uma vez na vida, ocorrerá somente em setembro deste ano, mas a umra é quando a peregrinação acontece fora da temporada do haj.

Para isso, o peregrinos com frequência chegam em voos especiais sem marcação ou em voos fretados, e são esse que devem sofrer o maior impacto com o rompimento das relações.

Quem era Nimr Baqir al-Nimr

Um crítico proeminente do regime saudita, Nimr Baqir al-Nimr, de 56 anos, havia sido sentenciado à morte em outubro de 2014 num julgamento que foi classificado pela Anistia Internacional como “repleto de falhas”. Nos últimos meses, diversas organizações de direitos humanos, grupos xiitas e parentes do clérigo apelaram pela comutação da pena.

Analistas chegaram a apostar que a Arábia Saudita não teria a ousadia de cumprir a sentença, mas Nimr foi finalmente executado, no último sábado, com outras 46 pessoas, incluindo dezenas de condenados por terrorismo.

Segundo a ONG britânica Reprieve, pelo menos quatro dos executados, entre eles o clérigo xiita, eram na verdade prisioneiros políticos. Não foram divulgados detalhes sobre a forma de execução – normalmente, esse tipo de sentença no reino sunita é levada a cabo por meio de decapitação.

Após a divulgação da morte de Nimr, foram registrados protestos no Líbano, Paquistão e especialmente no Irã, onde a embaixada saudita em Teerã foi incendida e saqueada por manifestantes.

Trajetória de um ativista xiita

Relativamente desconhecido no Ocidente, o clérigo Nimr era um dos principais líderes da minoria xiita da Arábia Saudita, país governado por um regime autoritário sunita, uma vertente rival do islã.

Baseado em seu vilarejo natal, Awamiyah, no nordeste do país, onde se concentram a maioria dos xiitas sauditas, o clérigo começou em 2008 a acusar publicamente em sermões o regime de discriminação contra a minoria.

De acordo com um relatório da Human Rights Watch divulgado em 2009, os xiitas na Arábia Saudita enfrentam uma “discriminação sistemática” na educação, na Justiça e no mercado de trabalho do país.

Antes de se destacar localmente como clérigo, Nimr chegou a estudar teologia no Irã nos anos 80, país de maioria xiita, e na Síria. Outras informações sobre sua trajetória são escassas.

De acordo com pesquisador Toby Matthiesen, da universidade de Oxford e autor de um livro sobre os xiitas, ele vinha de uma família influente. Um de seus avôs já havia liderado uma revolta em Awamiyah contra missionários sunitas e coletores de impostos da Casa de Saud em 1929. Ainda segundo Matthiesen, o papel de Nimr estava inserido em uma longa tradição de ativismo xiita que remonta à fundação do reino saudita, no início dos anos 30.

Em documentos divulgados na internet, Nimr descreveu que havia sido um seguidor do aiatolá Mohammad al-Husayni al-Shirazi, um dos rivais do aiatolá Khomeini – que tomou o poder no Irã em 1979.

Após a morte de Shirazi em 2001, Nimr passou a seguir o aiatolá iraquiano Mohammad Taqi al-Mudarrasi, favorável a uma forma de governo democrática e que se opõe ao tipo de regime teocrático em vigor no Irã. Não surgiram informações de que Nimr fosse filiado a qualquer organização xiita radical, como o braço saudita do Hisbolá.

Em 1994, Nimr voltou à Arábia Saudita. Segundo um de seus irmãos, ele costumava ser interrogado regularmente pelas autoridades e chegou a ser detido diversas vezes entre 2003 e 2008.

Em 2009, ele convocou pela primeira vez os xiitas sauditas a protestarem contra o governo. Após uma série de choques entre a polícia e manifestantes, Nimr permaneceu na obscuridade por vários meses.

Foi só durante o início da Primavera Árabe, em 2011, que o clérigo convocou novos atos. Apoiadores e parentes afirmam que ele pediu para que as demonstrações fossem pacíficas, mas a reação do governo foi dura. De acordo com a Human Wights Watch, 1.040 pessoas foram presas.

Segundo Matthiesen, Nimr era o único clérigo xiita local digno de nota que se opunha abertamente contra o regime, enquanto outros líderes religiosos procuravam uma acomodação com a família Al Saud. “Com seu discurso e participação nos protestos, Nimr colocou a si mesmo na linha de frente dos protestos. Ele virou um símbolo enquanto as emoções se exacerbaram”, afirma Matthiesen.

No ano seguinte, foi a vez de o regime ordenar a prisão de Nimr. Entre as acusações estavam a de promover a “interferência estrangeira no reino”, “desobediência” e “uso de armas contra o governo”.

À época, as circunstâncias de sua detenção geraram mais protestos no país, que provocaram pelo menos três mortes em confrontos com a polícia. A Anistia Internacional afirmou ter recebido informações de que o clérigo foi baleado na perna ao ser levado pelos policiais.

Segundo a ONG, o clérigo passou o seu primeiro ano na prisão em isolamento total e chegou a fazer greve de fome. Ele também sofreu com problemas de saúde – de acordo com a organização, sua perna ficou paralisada após o incidente com a polícia – e mau tratamento nas mãos dos carcereiros.

Na mesma época, o sobrinho de Nimr, Ali, que tinha apenas 17 anos, também foi preso. Ali, que hoje tem 20 anos, também foi condenado à morte e ainda aguarda ser executado.

Wikileaks cita encontro com diplomatas dos EUA

Segundo documentos vazados pelo Wikileaks, o clérigo chegou a se reunir com diplomatas dos EUA, país aliado do regime saudita, em 2008. À época, os representante americanos ainda classificaram Nimr como uma “figura de segundo plano” que vinha ganhando popularidade entre os jovens no nordeste do país e que suas palavras encontravam ressonância entre as classe mais baixas.

Os diplomatas descreveram Nimr como uma figura religiosa que havia começado sua carreira como um clérigo “apolítico”, que só passou a fazer comentários contra o regime por causa do seu desejo de aumentar a influência da comunidade xiita.

Os americanos também relataram que Nimr havia dito no encontro que os sauditas pintavam suas declarações de forma “mais radical” do que seu verdadeiro conteúdo e que ele era contra qualquer tipo de violência para forçar mudanças no país e estava comprometido com a realização de eleições livres e justas.

Por fim, os diplomatas revelaram que Nimr fez comentários elogiosos em relação aos EUA e estava tentando se distanciar do Irã. Segundo os documentos, Nimr acreditava que os xiitas iranianos não deveriam esperar algum tipo de apoio iraniano baseado numa vaga noção de aliança sectária que superasse a política local saudita.


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