07/02/2017 às 01h23min - Atualizada em 07/02/2017 às 01h23min

Fim da displina de Literatura na rede pública gera polêmica

Presidente da Academia Sul-Mato-Grossense de Letras é favorável

CASSIA MODENA
Correio do Estado
Com a medida, a carga horária das aulas de português acabou reduzida e contato com os livros pode ser menor – Paulo Ribas/Correio do Estado

A Literatura sumiu das grades curriculares das escolas da rede estadual de Mato Grosso do Sul. Quem procurar, vai encontrá-la nas aulas de Língua Portuguesa do Ensino Médio, na qual está agora integrada. Embora continue sendo um conteúdo, perdeu o posto de disciplina com ementa própria. A mudança pegou muita gente de surpresa, e gera polêmicas quanto ao que se perde ou ganha com ela.

Uma das justificativas da Secretaria de Estado de Educação (SED) para a mudança é a necessidade de as escolas daqui e de todo o Brasil irem se adequando à reforma do Ensino Médio. A proposta de reestruturação nacional ainda não foi homologada pelo Ministério da Educação (MEC), mas mesmo assim é a referência. Sobre essa antecipação, o técnico da SED, Joselei Ortiz, argumenta que “o documento [da reforma] provavelmente será fechado este ano” e que a integração “busca garantir os conhecimentos básicos que os estudantes devem desenvolver, conforme as novas diretrizes”.

Ele explica que a Literatura era oferecida como “disciplina a mais” nas escolas da rede estadual local e que sua oferta já não era obrigatória como disciplina única, a Base Nacional Comum Curricular exige apenas que ela seja ensinada.

Antes a área de códigos e linguagens da rede pública de Mato Grosso do Sul era formada por três disciplinas – Língua Portuguesa I, Língua Portuguesa II e Literatura, com carga horária de cinco horas semanais ao todo, divididas entre elas. Agora, as três foram unidas em uma só matéria que ocupa quatro horas semanais dos alunos. Segundo Ortiz, essa desfragmentação é vantajosa para os estudantes e resolve um problema quanto às horas de planejamento de cada professor.

Além disso, outras mudanças são o acréscimo de uma hora na disciplina Matemática e o ensino obrigatório da Língua Inglesa em todas as escolas.

SURPRESA

A mudança não foi discutida com a população, e surpreendeu até alunos e professres. A doutora em Literatura,  professora universitária e escritora, Lucilene Machado, a desaprova. “É um retrocesso. Estávamos, nos anos anteriores, lutando para que a carga horária atribuída às literaturas fosse acrescida, já que está provado que ela contribui para o melhor entendimento de todas as outras disciplinas. Dizer que a literatura será ministrada dentro da língua portuguesa é para enganar quem não tem noção sobre o assunto”.

Para Machado, ela não pode se dissociar das aulas de Língua Portuguesa porque sempre será necessária a introdução de textos literários para a aprendizagem estrutural da língua. Ainda assim, acredita que o ideal é que como uma disciplina à parte, para humanizar os estudantes e ensinar a pensar.

“Eu, como professora de Literatura, faria o contrário, colocaria as aulas de língua portuguesa dentro das aulas de Literatura. O que é mais interessante: aprender usar a gramática ou aprender a pensar? É certo que as duas são importantes, mas pensar é primordial”, comenta.

A professora de Língua Portuguesa e Literatura  e escritora Ana Maria Bernardelli compartilha desse ponto de vista. “O meu posicionamento não podia ser outro. Ao contrário do que se pensa, a Literatura não é uma disciplina menor. Minimiza-se ela. A Literatura vem para complementar uma visão holística, integral, do aluno que está sendo formado”.

Nos estudos dos movimentos literários, dos recursos utilizados pelos autores e na leitura das próprias obras estão as pistas para essa formação integral, segundo Bernardelli, que também é presidente da União Brasileira dos Escritores (UBE) em Mato Grosso do Sul. “Você não tem só a parte do prazer e da diversão de ler. A partir da literatura se adquire conhecimento sobre sua própria vida cultural, sobre a cultura do seu País e se tem a oportunidade de desenvolver a criatividade também”, complementa. 

Ela se preocupa ainda com a diminuição da carga horária da disciplina na rede pública e com a dificuldade que os professores terão ao ministrar a nova disciplina integrada. “Eu acredito que a literatura pode ter um senão no estudo, e que o texto literário pode virar um pretexto, só mais uma ferramenta para as aulas de gramática, por exemplo. Vai depender ainda mais do professor”. 

Alisson Camargo, 16 anos, está atualmente no segundo ano do Ensino Médio. Ele acha que a mudança tem vantagens e desvantagens. “O lado bom é que vai ser uma matéria a menos. O ruim é que não vai ser aquela formação mais completa em literatura”. Ele reconhece que, no ano passado, a disciplina o ajudou a traçar uma relação entre o que estudava em todas as matérias, mas acredita que não vai ter muito prejuízo com o seu ensino associado ao do Português. “Quero seguir na área do Direito, então acredito que português é mais importante do que literatura”.

Favorável

O presidente da Academia Sul-Mato-Grossense de Letras, Reginaldo Araújo, tem boas perspectivas quanto à nova forma de se ensinar Língua Portuguesa e Literatura nas escolas. “Estamos muito felizes com essa introdução da Literatura nos estudos da língua, especialmente aqui em Mato Grosso do Sul, em que a Literatura abre uma verdadeira cortina de conhecimento da cultura local. Esperamos que isso desperte mais escritores que estão iniciando”.

Na opinião do representante da literatura, o que o estudante vai aprender nas aulas de português da nova grade “vai colocar em evidência os livros que transformaram vidas, e dar chance ao ensino da Língua Portuguesa se engrandecer com a Literatura”. Ele também avalia que vai depender muito do professor que vai ministrar Língua Portuguesa, com o novo formato.

 


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