04/07/2018 às 12h22min - Atualizada em 04/07/2018 às 12h22min

Famoso por seus loiros incríveis, Jefferson luta há 15 anos contra o crack

O cabeleireiro está há 20 dias limpo e acredita que graças a alguns "anjos", ele voltou a ser quem era antes da droga

Thaís Pimenta
campograndenews

Quem vê o cabeleireiro Jefferson de Oliveira Wiginesk, de 30 anos, sorrindo assim, não imagina que há 20 dias ele estava pedindo dinheiro no semáforo, próximo à Rodoviária Antiga, para alimentar seu vício em pasta base. Ele, que há pelo menos 15 anos batalha contra o poder das drogas em seu corpo, é conhecido pelo talento na coloração de loiros em Campo Grande e pela agilidade ao mexer com os cabelos.

Luta é a palavra que guia os passos do cabeleireiro campo-grandense. Com uma vida simples,  começou a trabalhar na adolescência para se bancar. A lida com os cabelos veio depois de uma demissão em uma rede fast-food, onde trabalhou como chapeiro.

 

"Lembro de, na época, ter ficado muito triste com a demissão porque eu precisava daquele emprego. Mas logo em seguida a minha madrinha, como eu carinhosamente apelidei a Bia Machado, me chamou e perguntou se eu gostaria de trabalhar com beleza. Me recordo de dizer a ela que queria sim mas que não sabia fazer nada. Foi aí que ela se protificou e começou a me ensinar tudo", recorda ele.

Na rodoviária antiga ele dormia, pedia dinheiro, dormir e se drogava. (foto: Acervo Pessoal)

Na rodoviária antiga ele dormia, pedia dinheiro, dormir e se drogava. (foto: Acervo Pessoal)

Na rodoviária antiga ele dormia, pedia dinheiro, dormir e se drogava. (foto: Acervo Pessoal)

Daí em diante, ele se encantou com o trabalho, apaixonou-se o pelo ofício, e passou a ir para São Paulo fazer cursos profissionalizantes. "Aí ela que foi quem me ensinou no começo de tudo passou a aprender comigo, porque o conteúdo dos cursos que eu trazia de São Paulo repassava pra ela, e a situação se inverteu".

No primeiro ano em que se tornou um profissional reconhecido na cidade, o contato com pessoas influentes de São Paulo e a frequência nas baladas, a aparição da cocaína foi "natural" em sua vida eo pontapé para sua decaída pessoal. 

"Eu já conhecia as drogas, já sabia o efeito momentâneo que tinha no corpo, e bastou eu ter esse contato depois de mais velho para relembrar a sensação e querer sempre mais", explica. Ao chegar aqui, um "carinha" que morava no mesmo condomínio, seu vizinho, conhecido por ser usuário de drogas, pediu carona para ir até um local dizendo que bancava a gasolina. Jefferson deu. Chegando lá, o local era uma boca de fumo. "Ele disse que ia comprar droga, eu perguntei a ele qual droga era, ele disse que era pasta base, e eu logo pedi R$ 100,00 pra mim também. Mal sabia onde estava me metendo".

Seus pés ficaram rachados nos 4 meses em que esteve na rua. O tratamento para eles segue até hoje. (Foto: Acervo Pessoal)

Seus pés ficaram rachados nos 4 meses em que esteve na rua. O tratamento para eles segue até hoje. (Foto: Acervo Pessoal)

Seus pés ficaram rachados nos 4 meses em que esteve na rua. O tratamento para eles segue até hoje. (Foto: Acervo Pessoal)

Gradativamente, o uso que começou nas baladas, passou a ser mensal, depois semanal, diário até que, quando viu, Jefferson estava uma semana inteira, trancado em um motel usando o crack. "Caiu minha ficha que aquilo estava errado quando eu me dei conta que tinha comido, durante a semana toda, um X Salada, três pães, e bebido água e Coca-Cola. Eu tinha um corpo forte, malhava, me cuidava, e emagreci pelo menos 5 quilos nessa semana", conta ele, que na época tinha 23 anos.

O trabalho não era deixado de lado. Por mais que Jefferson vacilasse algumas vezes com suas clientes, ele conta que nunca as perdeu, mas sua credibilidade, por outro lado, caiu muito. "Porque combinava de atender uma cliente no sábado de manhã, por exemplo, e não dava conta de ir por causa da ressaca da droga, então isso fez com que muitas não contassem com meu trabalho em um momento especial, como um casamento".

Do motel, o cabeleireiro foi para a rua, gastar todo o dinheiro que ganhava com a pasta base. Dias depois, voltava à rotina prometendo para os outros e para si que nunca mais chegaria perto da droga novamente.

Morena iluminada ou loiríssima, Jefferson faz todos os tipos de cabelo, colore, corta, hidrata... o importante é fazer a cliente feliz. (Foto: Saul Schramm)

Morena iluminada ou loiríssima, Jefferson faz todos os tipos de cabelo, colore, corta, hidrata... o importante é fazer a cliente feliz. (Foto: Saul Schramm)

Morena iluminada ou loiríssima, Jefferson faz todos os tipos de cabelo, colore, corta, hidrata... o importante é fazer a cliente feliz. (Foto: Saul Schramm)

Nessa vida de desenganos ele ficou por mais de 7 anos. Se internou por 5 vezes, todas sem sucesso. "Essa coisa de internação nunca funcionou pra mim. Eu cheguei a ficar um ano e meio internado no Esquadrão da Vida, uma clínica de reabilitação evangélica, mas quando sai foram só 2 meses limpos e já caí no vício de novo".

Na última vez em que foi pra rua, Jefferson passou quatro meses sem rumo, revirando lixo para se alimentar, dormindo na rua e em hoteis da antiga rodoviária abandonados, sem tomar banho e sem o mínimo de higiene que seu padrão de vida antes lhe garantia.

Exausto das recaídas, ele afirma que teve uma conversa séria com Deus depois de se separar de seu ex-marido e ser convidado a sair da casa de sua mãe pelo padrasto por conta da sexualidade, motivos que o fizeram cair tão fundo a ponto de ficar esse longo período fora de si. "Eu disse que ficaria ali até ter vontade e coragem pra nunca mais voltar. E se eu não encontrasse essa força dentro de mim, que morresse na rua".

Jefferson e Lúcia, a amiga e salvadora. (Foto: Saul Schramm)

Jefferson e Lúcia, a amiga e salvadora. (Foto: Saul Schramm)

Jefferson e Lúcia, a amiga e salvadora. (Foto: Saul Schramm)

Sempre religioso, ele consegue ver uma coisa boa nisso tudo que tem vivido. Ele garante que a arrogância, egoísmo e prepotência do passado já não fazem mais parte do seu íntimo. "O dinheiro me subiu à cabeça. Se um colega me pedisse uma opinião sobre seu trabalho, eu desdenhava, como se fosse melhor em tudo. Hoje eu sou outra pessoa nesse aspecto, tive que sofrer pra aprender que sem outras pessoas eu não sou ninguém".

Falando nisso, uma antiga amiga dele teve papel importante nessa guinada de 20 dias limpo, a empresária Lúcia Matos, o "anjo" de Jefferson.  "Ele  foi meu cliente lá no passado, há cerca de 15 anos, eu vendia roupas a ele. Depois, eu virei cliente dele e a amizade se formou, tanto é que quando ele se casou alugou uma casa de mim. A gente se falava sempre mas em dado momento eu não o vi mais, nem pessoalmente nem nas redes sociais. Até que me contaram o que estava acontecendo e eu fui atrás dele".

Lúcia tomou como missão, junto a seu filho, Willian de Matos, resgatar seu filho de coração, Jefferson, do vício. Passou diversas vezes nos pontos em que o cabeleireiro costumava pedir dinheiro, foi ignorada começo, mas se manteve firme no propósito.

"Eu falava pra ele que tinha que sair de lá, pra vir morar na minha casa, pra fazer meu cabelo. Nesse papo sincero, eu carinhava a cabeça dele e pedia, sem me cansar, que ele viesse. Até que algo tocou o seu coração e ele veio, e desde então aqui está".

 
Jefferson hoje atende na casa da anja Lúcia, que fica no Taveirópolis. (Foto: Saul Schramm)

Jefferson hoje atende na casa da anja Lúcia, que fica no Taveirópolis. (Foto: Saul Schramm)

Jefferson hoje atende na casa da anja Lúcia, que fica no Taveirópolis. (Foto: Saul Schramm)

As clientes mesmo acostumadas ao luxo dos salões de beleza voltaram a procurar  pelo trabalho de Jefferson quando souberam que ele estava de volta. Um pouco mais esquecido e ansioso, ele continua lutando, dia após dia, pela cura da doença progressiva que é o vício às drogas. 

A luta agora é pra montar um espaço próprio. Enquanto isso não se concretiza, ele tem atendido na casa de Lúcia. O sonho de Jefferson agora é bancar um tratamento no qual ele realmente acredita, com o uso da Ibogaína, uma planta africana. "Eu conheço algumas pessoas que fizeram e estão curadas, resetaram suas mentes mesmo. E nesse tratamento eu acredito mesmo, mas é muito caro, coisa de R$ 6 mil".

O pedido é de ajuda para quem se solidarizou com a história. "Eu estou disposto a trabalhar, fazer quantos cabelos for preciso pra me curar. E a quem quiser doar, eu também aceito", finaliza ele. Para entrar em contato ligue (67) 9 9192-3141.


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